Julia Garcez

O que o melanoma pode ter em comum com o suicídio? Julia Garcez, jornalista especializada em saúde, mostra como esses temas aparentemente tão distintos se conectam, pois ela viveu os dois. Desde 2017,  colabora com o Instituto Melanoma Brasil.  Conhece a vivência dos pacientes e sente na pele, ainda que indiretamente, o que é enfrentar o tumor cutâneo mais perigoso. Se em geral ela pede para os outros compartilharem suas histórias, neste 10 de setembro, Dia Mundial de Prevenção do Suicídio, os papeis se invertem. Julia conta para os pacientes de melanoma como eles a ajudaram a perceber de outra forma o suicídio de seu pai.

“Nunca tive melanoma, mas posso dizer que, de certa forma, senti na pele o que é encarar a doença. Há três anos, tenho a satisfação de produzir conteúdo digital para o Instituto Melanoma Brasil. Não passo um dia sem pesquisar sobre o tema e acompanho de perto a história de tantas pessoas queridas, que me sinto parte dos ‘irmãos de pinta’, como carinhosamente chamamos os pacientes.

Nesse período, perdi a conta de quantas vezes afirmei: contar sua história pode salvar vidas! Digo e repito sem pestanejar. O diálogo aberto e o compartilhamento de experiências, quando nos sentimos à vontade, têm valor inestimável para diminuir a solidão e nos ampara nos momentos desafiadores, como o tratamento do melanoma ou o luto por suicídio. E é por isso que, após tantos anos pedindo depoimentos, hoje chegou minha vez de contar a história.

Quando eu tinha quase sete anos, passei pelo que considero o momento mais difícil da minha vida: meu pai se suicidou. Até hoje não é fácil contar como a trajetória desse homem de 37 anos, bonito, inteligente, bem-sucedido na profissão, com boas condições financeiras, saúde física perfeita, família, amigos e amor, terminou de forma tão inesperada, mesmo preenchendo todos os requisitos do ‘seguro-felicidade’.

Seria necessário um espaço muito maior do que o deste depoimento para detalhar como foi  elaborar a morte dele. Posso dizer que, tantos anos depois, segue um trabalho em progresso. E é ótimo que seja assim. O luto do suicídio não aceita respostas prontas. Precisamos nos abrir para o contraditório, aceitar a raiva, a saudade, a compreensão, a incompreensão. No meu caso especifico, ter sabido desde cedo a verdade e poder falar a respeito ajudou demais. Também vale mencionar o suporte da minha mãe, dos amigos, do namorado e de uns bons anos de análise!

Suicídio e melanoma

Mas vamos voltar ao propósito deste texto. Como eu conecto minhas experiências com suicídio e melanoma?

 Para mim, existem muitos pontos em comum. Assim como o melanoma, o suicídio é um tema  sobre o qual o público ainda sabe pouco. Assim como o suicídio, o melanoma (ou qualquer outro tipo de câncer) não tem a menor lógica. Pode acometer qualquer pessoa, por mais bem-sucedida – ou precavida – que ela seja. Assim como o melanoma, o suicídio e as doenças mentais que podem desencadeá-lo, como a depressão, são questões da maior importância. Não podem ser subestimados, como tantas vezes acontece. O paciente de melanoma, assim como quem se suicida, merece todo respeito em seu processo.

 E por último: o melanoma, assim como o suicídio, não define ninguém. É um problema que a pessoa tem, mas não representa nem de longe o que ela é, ou foi.  Meu pai deixou um legado bem maior do que a forma como encerrou a vida: livros, um trabalho fotográfico pioneiro, bom humor, inteligência, respeito, integridade, bondade, carinho e uma lista infinita de qualidades, na minha visão nada imparcial de filha. Como diriam os Beatles: in the end, the love you take is equal to the love you make.

Já mencionei que venho lidando com o suicídio dele de maneiras muito diferentes ao longo dos anos. E vocês, caros pacientes oncológicos – e os de melanoma, em particular – são responsáveis por grande parte da evolução que enxergo nesse processo.

Vocês me ajudaram a parar de tentar explicar o inexplicável, a entender que todo mundo pode ter motivos para desistir em um momento ou outro. Buscar explicações para isso é como percorrer uma estrada que não chega em lugar nenhum. Com as tristezas, alegrias, lutas e vitórias  de vocês, aprendi que é muito mais interessante trilhar o caminho o oposto. Olhar para quem insiste em ficar aqui, mesmo em meio a percalços e dificuldades. Olhar para quem procura uma boia no meio desse mar revolto, bate os pés, nada, segue em frente nessa eterna desventura de viver, valorizando cada minuto do tempo, mesmo quando ele é escasso. Não importa o prognóstico, vocês são pura vida.

Respeito mais minha risada

Acompanhando uma paciente de melanoma muito especial, nossa eterna Juliana Moro, passei a respeitar muito minhas lágrimas, mas ainda mais minha risada, como diria Caetano Veloso. Bom humor e alegria dão força extra para enfrentar os piores momentos. Não tem a ver com ser hipócrita, ou fingir que está tudo bem quando não está. Mas vale guardar cada sentimento em uma caixinha e abrir espaço para cada um deles. Até porque, citando o escritor Valter Hugo Mãe, a alegria também se compõe da soma de muita tristeza.

Portanto, posso dizer que a tragédia entrou cedo na minha vida. Mas junto com ela entraram o amor, a solidariedade, a resiliência, as pessoas que estenderam a mão, a vontade de seguir em frente (e o compromisso diário de me responsabilizar por isso). Desde cedo vivo num entorno onde não faltam alegria e alto-astral. Não importa o que aconteça, sinto a força da vida soprar ao meu lado. E muito disso devo a vocês, pacientes queridos, que tanto me ajudam sem sequer me conhecerem pessoalmente. Se este texto fizer para vocês um pouquinho do bem que já me fizeram, terá valido a pena. Obrigada, obrigada, obrigada!”

 

 

 

 

 

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